“O confronto com a doença é uma experiência interior que deixa marcas profundas. Eu não teria conseguido escrever este livro sem recordar as alegrias e as mágoas, as descobertas e os fracassos que me tornaram muito mais vivo do que era há 15 anos. Ao partilhar tudo isto convosco, espero que encontrem o vosso próprio caminho para a cura, e que essa aventura seja cheia de beleza.” – Anti-cancro de David Servan Schreiber
Esta frase de David Schreiber transmite de forma perfeita o meu sentimento e a inspiração que me levou a lançar este projeto. David viveu 19 anos com um tumor no cérebro, acabando por morrer aos 50 anos em 2011. No entanto, esta contrariedade levou-o a dedicar a sua vida ao estudo da doença e à compilação de conhecimento que divulgou pelo mundo em livros e palestras. A sua história de dificuldade converteu-se numa dádiva para o mundo.
Eu não tive a experiência de ter um cancro, nem mesmo de qualquer tipo de doença grave. Mas desde que me conheço que “sabia” que a minha vida estaria relacionada com a doença. Não sabia que a experiência com o cancro seria da forma que foi.
Casei com a Rosa Maria em 1993 e o primeiro contacto com a doença foi cerca de 1 ano depois de casarmos. Ela sonhou duas noites seguidas que tinha um tumor no estômago. Como era enfermeira falou com um médico amigo que lhe prescreveu logo um exame de diagnóstico. Tinha um adenocarcinoma com 7 mm no estômago. Foi operada, removeu quase todo o estômago e fez quimioterapia durante 6 meses.
Em 1999, após recuperação total, tivemos o primeiro filho, Carlos Eduardo. Mais tarde havia a vontade de ter um segundo filho, mas os receios de uma recidiva não nos davam a coragem de arriscar. Até que um dia o Carlos, com 4 anos de idade, diz: “Mãe, quero um irmão Tiago”. Nos dias que se seguiram o Carlos não se calou com o mesmo pedido, até que lhe dissemos que sim.
Em 2004 nasceu o Tiago João.
A nossa vida foi igual a tantas outras: trabalhar, cuidar dos filhos… eram o nosso foco principal. À nossa maneira fomos muito felizes.
Em 2010 começam os primeiros sinais de mudança com uma desilusão profissional e em 2011 morre a mãe da Rosa Maria com um cancro que apareceu na parótida e se espalhou pelo corpo.
O ano de 2012 foi muito intenso. Eu já tinha iniciado o meu processo de procura de respostas e os problemas vinham à superfície. Aprofundaram-se as terapias e a Rosa iniciou também o seu processo de autoconhecimento.
Nesse ano eu mudei, a Rosa mudou. Aprendíamos a gostar de nós, a cuidar de nós. Nunca tínhamos sido tão felizes. Aprendíamos a viver em paz.
Em Novembro de 2012, ao fim de várias semanas com umas ideias na cabeça, digo à Rosa que achava que eu seria o primeiro a morrer. Achava isso porque o que tinha para lhe dizer era isto: “se eu morrer, o único desejo que tenho é que faças tudo para seres feliz. Não importa para onde eu vou e que destino escolhas para ti. O importante é que faças tudo para voltares a ser feliz, sozinha ou com outra pessoa”.
2013. A Rosa faz análises ao sangue e identificam-se alterações no funcionamento do fígado. Fez uma primeira ecografia e descobre-se um tumor. Complementa com TAC e confirma-se um tumor com mais de 50 mm do lado esquerdo. Começam os exames de diagnóstico e biopsias que confirmam um tumor maligno do tipo hepatocelular.
Desde o diagnóstico até à sua morte a 19 de Dezembro de 2013 foram nove meses de procura incessante, de terapias, de cuidados. Instalamos um hospital em casa onde ela viria a falecer.
Desde a descoberta da doença até à sua morte, acreditei e fiz muitos acreditarem que a cura seria possível.
A alma curou-se mas o corpo não. E a Rosa Maria partiu de junto de nós, totalmente em paz consigo mesma, no final do ano, mesmo antes do Natal.
Demorei cerca de um ano a sair da negação. Aconteceu quando decidi mudar de casa para outra cidade. Fui fazendo o meu luto procurando ajuda onde achava que teria resultados.
Este meu processo tem sido uma viagem de descoberta de quem eu sou e de curas atrás de curas do passado. Uma experiência dolorosa mas fascinante. Como um regresso a casa…
Hoje percebi o que já na altura intuía: que vivi por dentro a dor desta doença, de uma perda e que fiquei cá para contar a história. Pois normalmente esse não é o caso da maioria das pessoas que sofrem desta doença.
Já tive muitas outras experiências desde que a Rosa partiu, mas todas serviram um mesmo propósito: conhecer quem eu sou.
E ser quem sou, hoje, é partilhar a nossa história, uma história cocriada por nós os dois, Rosa Maria e Manuel Eduardo. Ela teve a coragem de aceitar partir e eu tive a coragem de aceitar ficar para contar o que vivemos e experienciamos.
Em 2017 iniciei a escrita do primeiro livro, que foi lançado em 20 de Dezembro de 2018. Está agora na altura da 2ª edição.
Ao mesmo tempo surgiu a ideia de criação de um espaço de partilha na internet ao qual dei o nome de Regressar a Casa.
O nome surgiu como muitas coisas na minha vida: do nada.
Mas é sem dúvida a melhor forma de classificar este caminho que foi a nossa vida, um regresso a casa, à nossa casa. Tendo aprendido com as experiências vividas, sinto-me agora preparado para as partilhar e é isso que pretendo fazer neste espaço.
Vemo-nos por aí!
Até já!